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Carta 119 – aquela da mamãe querer ser hippie

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(ao som de Vagabundo confesso – Dazaranha)

Oi, filho

Estava aqui pensando do que eu poderia ter feito diferente na vida para que hoje estivesse numa outra situação. Se eu não tivesse terminado aquele namoro, não tivesse feito aquela viagem, abandonado aquele(s) estágio(s), trocado de cidade, aceitado aquele emprego, revidado aquelas provocações, voltado naquele dia, ido naquela festa, largado aquele emprego, etc. Qualquer uma dessas coisas que eu não tivesse feito implicaria na sua não existência, então eu jamais me arrependerei de qualquer uma delas.

Mas isso tudo eu falei de curto prazo. Acho que tudo na minha vida poderia ter sido diferente se em algum momento o caminho tomado fosse outro. Mas aí também poderia implicar na sua não existência e não gosto de ficar tentando adivinhar o que poderia ter sido diferente. Tentei pensar no porquê das escolhas, o motivo de eu ter feito cada coisa que eu fiz. E talvez eu tenha encontrado a resposta: eu sempre escolhi pessoas.

Quando eu saía pra viajar, era pra conhecer novas culturas, outro tipo de povo, coisas diferentes. Larguei os estágios porque aquelas pessoas não estavam interessadas no que eu tinha pra dizer. E, acredite, meu filho, eu tinha muitas coisas legais pra falar pra elas. Depois eu acabei (me) descobrindo (n)o teatro, onde eu sei que as pessoas realmente querem me ouvir, porque elas pagam pra isso. A única vez que eu escolhi deixar as pessoas de lado, porque eu tinha que fazer alguma coisa da vida, ter uma profissão, eu perdi, se não a que mais, mas uma das pessoas mais me amou na vida, o Bisa Valdir. Se não tivesse partido, se eu tivesse largado o emprego, se eu não tivesse voltado das férias, se, se, se… Pra ele, eu tenho certeza, que ter me visto trabalhando foi motivo de muito orgulho. Mas de que adiantou se eu perdi os últimos meses de vida dele, porque estava naquele lugar que nem de longe teve a importância que o Bisa teve e tem pra mim?

Eu não sei como todo o resto do mundo consegue ficar trancado em algum lugar trabalhando 8, 10, 12h diárias. Será todo esse tempo longe de ti, longe dos Bisa Adair, Terezinha, Eloiza, longe de todos que eu amo! Eu sei que tu deve estar pensando “meu Deus, mãe, então vá para uma comunidade hippie que lá tu estará cheia de pessoas e também trabalhará em coisas para tua sobrevivência”. E eu te peço desculpa por isso, filho, por ser tão quebrada, tão não-formada, tão não-pronta.

Hoje eu tenho novamente que fazer essa porcaria de escolhas – eu odeio ser libriana, por que não tem alguém que decida por mim as coisas?! – e eu não consigo deixar de pender a balança para PESSOAS! Eu prezo qualidade de vida, não quero ter rios de dinheiro, status social, eu quero PESSOAS, quero meus amigos, minha família, quero estudar, quero ler, quero ver filmes, ver peças, quero ver você crescer lindo, ver teu cabelo castanho chegando aos ombros, ser a primeira a ver teus dentinhos saindo, te ver correr… Não te largar para alguém cuidar, porque eu preciso ficar 12, 13, 14h fora de casa todo dia. Fora o fato das horas contigo em que eu estarei resmungando sobre meu chefe ser um saco, eu ser mal paga, ter um colega de trabalho muito burro… – talvez as experiências laborais não tenham sido nada boas mesmo.

Essa deve ser a declaração mais cara de pau de alguém que não quer trabalhar, mas não estou nem aí, eu quero viver, filho, quero te ver viver, quero estar com toda essa gente que eu amo… Ai, Fernando, aprende a falar logo, ajuda a mamãe, vai…

Amo-te, cada dia mais…

P.S.: quando eu falo “trabalho”, leia “fonte de renda”, porque, infelizmente, pra eu conseguir nos sustentar de teatro eu precisarei de mais alguns muitos gigantescos anos de palco e bastidores.


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